NÃO TE METAS NA VIDA ALHEIA SE NÃO QUERES LÁ FICAR

 

MUSAS

Havana, 3 de outubro de 1951


Estimado senhor:

Permito-me enviar-lhe estes papéis que julgo poderão interessar-lhe e aos quais não pude dar publicidade até agora.

Possuo todos os originais destes versos. Foram escritos nos locais mais variados, como comboios, aviões, cafés, e em pequenos papéis bizarros onde não há, a bem dizer, correcções. Numa das suas últimas cartas vinha
A carta no caminho. Muitos destes papéis, amarrotados e rasgados, são quase ilegíveis, mas creio ter conseguido decifrá-los.
A minha pessoa não tem importância, mas sou a protagonista deste livro e isso me faz sentir orgulhosa e satisfeita com a vida.
Este amor, este grande amor, nasceu num Agosto dum ano qualquer, durante as temporadas que eu fazia, como artista, pelas localidades da fronteira franco-espanhola.
Ele chegava da guerra de Espanha. Não vinha vencido. Era do partido da Pasionaria, alimentava grandes ilusões e esperanças para o seu pequeno e distante país, na América Central.
Sinto não poder indicar o seu nome. Nunca soube se o verdadeiro era Martínez, Ramírez ou Sánchez. eu chamo-lhe simplesmente meu capitão e esse é o nome que quero manter neste livro.
Os seus versos são como ele mesmo era: ternos, amorosos, apaixonados, e terríveis na sua cólera. era forte e a sua força sentiam-na todos os que dele se aproximavam. Era um homem privilegiado, desses que nascem para grandes destinos. Eu sentia a sua força, e o meu maior prazer era sentir-me pequena ao seu lado.
Entrou na minha vida, como ele disse num verso, deitando a porta abaixo. Não bateu à porta com timidez de enamorado. Desde o primeiro instante, sentiu-se dono do meu corpo e da minha alma. Fez-me sentir que tudo mudava na minha vida, essa minha pequena vida de artista, de comodidade, de brandura, transformou-se, como tudo o que ele tocava.
Não conhecia sentimentos pequenos, nem tão-pouco os aceitava. Deu-me o seu amor, com toda a paixão que era capaz de sentir, e amei-o como nunca me julguei capaz de amar. Tudo se transformou na minha vida. Entrei num mundo que nunca sonhara existir. A princípio tive medo, houve momentos de dúvida, mas o amor não me deixou vacilar muito tempo.
Este amor trazia-me tudo. A ternura doce e simples quando procurava uma flor, um brinquedo, uma pedra do rio, que me entregava com os olhos húmidos, de uma ternura infinita. As suas grandes mãos eram nesse momento de uma brandura suave e nos seus olhos assomava então uma alma de criança.
Mas havia em mim um passado que ele não conhecia, e tinha ciúmes e acessos de fúria incontíveis. Estes eram como tempestades furiosas que açoitavam a sua alma e a minha, mas nunca tiveram força para romper a cadeia que nos unia, que era o nosso amor, e de cada tempestade saíamos mais unidos, mais fortes, mais seguros de nós mesmos.
Em todos esses momentos, ele escrevia estes versos, que me faziam subir ao céu e baixar ao próprio inferno, com a crueza das suas palavras, que me queimavam como brasas.
Ele não era capaz de amar de outra maneira. Estes versos são a história do nosso amor, grande em todas as suas manifestações. Possuía-o a mesma paixão que punha nos seus combates, nas suas lutas contra as injustiças. Doíam-lhe o sofrimento e a miséria, não apenas do seu povo, mas de todos os povos, todas as lutas, por nelas se empenhar, eram suas e a elas se entregava por inteiro, com toda a paixão.
Tenho poucos conhecimentos e não posso falar do valor literário destes versos, para lá do valor humano que indiscutivelmente possuem. O Capitão nunca pensou talvez que estes versos fossem um dia publicados, mas agora creio que é meu dever entregá-los ao mundo.
Saúda-o atentamente
ROSARIO DE LA CERDA



Eu tenho uma mania.
Ando pela casa a recolher livros e a fazer montinhos na mesa de cabeceira até que chegue o momento em que os vou ler. OS VERSOS DO CAPITÃO é um dos que por lá andam...há anos. Foi lá parar porque tem uma capa bonita e porque é...Neruda. A 1ª vez que o abri, confesso, não gostei de palavras como "mel", "ilhas de pão", "minha doçura", "cabeleira", "lua de cristal" ou "eu sou o condor". Achei que não tinham nada a ver comigo e ganhei-lhes alergia. Até que há uns dias li esta Carta-Prólogo. Estava escondida mesmo no princípio do livro. Mudei de ideias! Agora leio
, no lusco-fusco do meu quarto, um poema por dia para dar saúde e alegria...e para manter o coração musculado (como diz a Miss Pilar)!




Jennifer Daniel


Comentários:
Pilar, ainda não acabei de ler o Deus Das Pequenas Coisas! É demasiado triste e tenho que o ler às postas. Estou a acabar um livro chamado Inês de Portugal, do João Aguiar que escreve tão bem...
À espera está o Mário Vargas Llosa para matar as saudades do Perú! E entretanto, não me queres emprestar o tal livro do Boris Vian? please, please, please?
 
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