Feitos em modo menor
Cumpre prestar homenagem
À bebedeira do cantor.
É um jogo complicado,
Pois quem engana não sabe
Se não estava enganado.
Fica o coração pesado
Com o choro que chorei.
É um ficar engraçado
O ficar com o que dei...
Vinhas cansada e contente.
A minha pergunta é esta:
Foi da festa ou foi da gente?
Que se estende a adormecer,
Breve vem a onda breve
Que nos ensina a esquecer.
Ao falarmos, que prendemos:
É o mal-estar entre nós
Que vem de nos percebermos.
É água que faz dormir...
Sonhar é coisa que encanta,
Pensar é já não sentir.
Enrolaste a fita a rir.
Corações não são assuntos
E falar não é sentir.
Não julgues que é por gostar.
Eu gosto muito do sol,
E nem o posso fitar.
Quando a amiga lá vai ter...
Ser feliz é o que importa,
Não importa como o ser!
É o que penso e o que sinto.
Meu coração bate, bate
E se sonho muito, minto.
Que é de ti que dizes mal.
Quando dizes mal de alguém
Tudo no mundo é igual.
Ai, os pratos de arroz-doce
Com as linhas de canela!
Ai a mão branca que os trouxe!
Ai essa mão ser a dela!
Ela corou do calor.
Ah, quem a fará corar
De um outro modo melhor!
A laranja que escolheste
Não era a melhor que havia.
Também o amor que me deste
Qualquer outra mo daria.
A tua saia, que é curta,
Deixa-te a perna a mostrar:
Meu coração já se furta
A sentir sem eu pensar.
A vida é pouco aos bocados.
O amor é vida a sonhar.
Olho para ambos os lados
E ninguém me vem falar.
E que ali está à janela
Se um dia morar aqui
Se calhar não será ela.
Comes melão às dentadas
Porque assim não deve ser.
Não sei se essas gargalhadas
Me fazem rir ou sofrer.
(carrega na imagem!)
Boca de romã perfeita
Quando a abres p’ra comer,
Que feitiço é que me espreita
Quando ris só de me ver?
Boca que tens um sorriso
Como se fosse um florir,
Teus olhos cheios de riso
Dão-me um orvalho de rir.
Chamam-te boa, e o sentido
Não é bem o que eu supunha.
Boa não é apelido:
É, quando muito, alcunha.
Dias são dias, e noites
Dias são dias, e noites
São noites e não dormi...
Os dias a não te ver
As noites pensando em ti.
Bailaste de noite ao som
De uma música estragada.
Bailar assim só é bom
Quando a alegria é de nada.
Disseste-me quase rindo:
«Conheço-te muito bem!»
Dito por quem me não quer,
Tem muita graça, não tem?
Dei-lhe um beijo ao pé da boca
Por a boca se esquivar.
A ideia talvez foi louca,
O mal foi não acertar.
Eu tenho um colar de pérolas
Enfiado para te dar:
As pérolas são os meus beijos,
O fio é o meu penar.
Na praia de Monte Gordo,
Meu amor, te conheci.
Por ter estado em Monte Gordo
É que assim emagreci.
As ondas que a maré conta
Ninguém as pode contar.
Se, ao passar, ninguém te aponta,
Aponta-te com o olhar.
[Fernando Pessoa]
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